segunda-feira, abril 23, 2018

Sous le pavés, la plage!



MAIO  DE  68  EM  PARIS
Grandes Manifestações de Estudantes e Operários

          Em Maio de 1968, uma revolta estudantil em Paris veio a tornar-se numa crise social e política de grandes dimensões, que alastrou a toda a França, e também teve efeitos noutros países europeus.
No período de 1960 a 1968, o número de estudantes em França duplicou, e em áreas como Letras ou Sociologia, os alunos começam a temer que quando terminarem os seus cursos não vão conseguir emprego.
Em 1968 o sector estudantil em França, considerando os alunos com idades entre os 16 e os 24 anos, era constituído por cerca de oito milhões de estudantes, o que representava 16,1 % do total da população francesa.
As Universidades não souberam adaptar-se à mutação do mundo contemporâneo, pois as suas estruturas não se modificaram, como não mudou a sua pedagogia nem se alteraram as suas disciplinas. 
Algumas ocorrências anteriores apontavam para uma juventude procurando novos horizontes, como, por exemplo, quando em Janeiro de 1966 após vários meses de disputa em volta de questões sexuais num complexo de dormitórios estudantis, um director introduziu o que para a época era um regime radical:
             - As raparigas e rapazes com mais de 21 anos podiam, a partir de agora, receber membros do sexo oposto nos seus quartos no dormitório.
Os que tinham menos de 21 anos também podiam fazê-lo, mas mediante autorização escrita dos pais. Em mais lado nenhum foram concedidas tais liberalizações no âmbito sexual.
Além disso, vinha aumentando a divulgação junto dos jovens de ideias revolucionárias, sobretudo com base em Mao, Trotski ou Ernesto Che Guevara.
Foi uma época em que a nível internacional foram barbaramente eliminados alguns defensores dos direitos humanos e símbolos da luta pela liberdade:
De facto, Che Guevara foi assassinado na Bolívia no dia 9 de Outubro de 1967, e o activista americano Martin Luther King é assassinado a 4 de Abril de 1968, em Memphis (USA).
Em França, para descongestionar a emblemática Universidade Sorbonne, foi criado, em 1963, o Campus Universitário de Nanterre, situado num subúrbio de Paris, nas proximidades de bairros de lata (bidonvilles), onde viviam muitos emigrantes portugueses, incluindo, naturalmente, algarvios.
A 22 de Março de 1968, a seguir à prisão de estudantes radicais que tinham atacado uma agência da American Express, no centro de Paris, em repúdio para com a intervenção americana no Vietname, começa a forma-se um grande movimento contestatário.
No mesmo dia, os estudantes ocupam as instalações universitárias de Nanterre, dando o primeiro sinal de revolta. Rapidamente o movimento aumenta, passando a incluir milhares de estudantes, e em volta do qual se unem diversas tendências esquerdistas.
Destacam-se então diversos dirigentes da revolta, como Daniel Cohn-Bendit, um estudante de Sociologia de origem alemã a frequentar o Campus de Nanterre.
Contestavam a autoridade, a desigualdade e o emprego da violência.
Os alunos reclamam sobretudo a destruição do sistema de ensino vigente, que era na época um dos pilares da sociedade burguesa, procurando novas formas que após os estudos lhes permitam emprego estável e o progresso técnico.
As comemorações do 1º de Maio vêm dinamizar ainda mais os jovens, e a Universidade de Nanterre acaba por ser encerrada no dia 3 de Maio, sendo os estudantes atacados pela polícia com gases lacrimogéneos, tendo respondido com uma chuva de pedras arrancadas da calçada.
Pouco depois, os estudantes realizam um meeting na Sorbonne, no centro de Paris. Em consequência deste encontro, vieram a ser presos cerca de 500 alunos, e os próprios professores decidem entrar em greve, e a Sorbonne é também encerrada.
No conhecido Quartin Latin, a tensão sobe entre manifestantes e polícias, vindo a culminar em violentos confrontos na noite de 10 para 11 de Maio, uma das chamadas “noite das barricadas”, do que veio a resultar cerca de milhar de feridos, e onde não faltaram viaturas em chamas.
Para tentar restabelecer a calma, o primeiro-ministro Georges Pompidou deu ordem, no dia 13, para reabrir a histórica Sorbonne. Contudo, o movimento de revolta universitário já se tinha estendido a outros extractos da vida social, nomeadamente à classe operária.
Assim, nesse mesmo dia 13 junta-se uma multidão em Paris, e os trabalhadores começam a ocupar as fábricas. Cerca de uma semana depois, no dia 21, já eram entre oito a dez milhões de grevistas.
Em viagem pela Roménia e Alemanha desde 14 de Maio, como se de nada se passasse no seu país, o general De Gaulle propõe um referendo e reformas. Mas em França ninguém reage à voz do presidente, parecendo que o  governo está de férias.
No dia 22 de Maio o movimento estudantil/operário fragmenta-se.
Com efeito, os comunistas boicotam uma manifestação de apoio a Daniel Cohn-Bendit, cuja expulsão para a Alemanha Federal havia sido decretada pelos governantes.
Pouco depois, há mais uma noite de barricadas em Paris, de 24 para 25 de Maio, com forte repressão policial.
Na prática, a ocupação dos estabelecimentos universitários e subsequentes barricadas, foram essencialmente conduzidos por anarquistas, embora tenha havido também a participação da Juventude Comunista Revolucionária (de base trotskista), assim como de funcionários de sindicatos afectos aos estudantes e professores assistentes.
Foi um movimento espontâneo, que de algum modo escapou ao controle do Partido Comunista Francês (PCF), que se sentiu ultrapassado, e só depois, quando viu milhões de trabalhadores em greve, entrou nas manifestações. 
Entretanto decorreram negociações entre sindicatos, patrões e governantes, e no dia 27, em Grenelle, no Ministério dos Assuntos Sociais, foram conseguidos os seguintes resultados:
              - Aumento de 7 % nos salários;
              - Aumento de 35 % no salário mínimo.
Satisfeito com os aumentos salariais obtidos, o Partido Comunista Francês preconiza o regresso à normalidade. Na realidade, objectivo da direcção do PCF era tentar manter a sua influência no movimento operário, e desprezava claramente os estudantes mais radicais. Mas os militantes de base recusaram esta estratégia.
Curiosamente, as multidões de estudantes eram, na sua maioria, pertencentes à classe média, e muitos pertenciam à própria burguesia parisiense.
Esta revolta de 1968 falava muito de sexo, mas não estava essencialmente preocupada com as desigualdades de género. Basta verificar que não havia mulheres entre os dirigentes do movimento estudantil.
Maio de 68 foram manifestações que marcaram uma geração, constituindo uma experiência extraordinária para quem participou ao vivo, durante um mês num ambiente de grande liberdade e solidariedade entre estudantes e operários.
Ultrapassou em muito as fronteiras de França, sendo um fenómeno que se expandiu a quase todos os países europeus.
Também surgiram movimentos reivindicativos femininos, sobretudo entre 1968 e 1970, onde se destacam obras de autoras como Kate Millet e Gloria Steinem.
Os nossos emigrantes na região de Paris, trabalhavam 12 a 14 horas por dia, e o seu estado de despolitização era quase total, vivendo num meio muito fechado, difícil de penetrar. Só viam o trabalho, procurando enviar o máximo de dinheiro para Portugal, e praticamente mais nada os preocupava.
As suas diversões e tempos de lazer eram quase zero. Por vezes, ouviam o folclore da sua região em Portugal, e também os fados de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro.
Por sua vez, cantores de intervenção iam aos bairros de lata, e a música conseguia juntar os trabalhadores, mas a sua mensagem era difícil de passar.
Os emigrantes portugueses não faziam ideia do que era a situação política em Portugal, nem compreendiam a atitude dos movimentos de libertação em África.
Era evidente o atraso cultural e político em que se encontravam os emigrantes.
Durante as cerca de três semanas das manifestações na região de Paris, juntavam-se vários cantores e músicos que percorriam as fábricas ocupadas pelos operários, actuando e convivendo pela noite dentro.
Intelectuais, cantores e exilados políticos portugueses era hábito encontrarem-se no café Select Latin, no Quartier Latin, perto da Sorbonne.
Curiosamente, um grupo incluía a cantora francesa Collete Magny, o português Luís Cília e Paco Ibañez, compositor e intérprete espanhol, natural da região de Valência. Também se encontravam em Paris nessa altura os cantores José Mário Branco e Sérgio Godinho.
Para muitos emigrantes portugueses que trabalhavam nas fábricas, foi uma oportunidade para terem contacto com outra realidade, e se aperceberem da força de uma greve.  
Em Portugal, José Afonso, expulso do ensino no princípio do ano lectivo de 1967/68, prepara o trabalho “Cantares do Andarilho”, um disco marcante na obra do grande compositor e intérprete, por ser o primeiro que é estruturado e concebido de raiz.

Manuel J. Pereira